Centro de Referência em Agroecologia - São Bento - 22/04/18)

Parte III - “ALEGRIA, ALEGRIA, ALEGRIA”

Centro de Referência em Agroecologia - São Bento - 22/04/18)

Chegamos no Centro de Referência em Agroecologia cedinho. Café na mesa e as pessoa se arrumando pro início das atividades. Como vimos que ainda levariam um tempo, decidimos andar um pouco e conhecer uma represa que havia ali perto. Pés na água fria em manhã de sol.

Voltamos e fomos convocados pro início da Mística que, dessa vez, aconteceu embaixo de um Jatobá imenso. Fizemos uma roda e cada um de nós recebeu uma semente daquela árvore. Semente roxa redonda, bonita que só. Demos as mãos e, em uma ciranda, cantamos essa canção:

“Da semente nasce o fruto
Num processo tão bonito
Do fruto nasce a semente
E assim se repete o ciclo”

Tocados mais uma vez, fomos pra oficina.

Tamy e Júlia, naquela manhã, propuseram um trabalho de movimentação do coro no espaço e de narração, incluindo os diversos cantos que o grupo trouxe no dia anterior.

Que força daquela gente junta cantando!

Almoçamos enquanto batíamos papo em pequenos grupos - queríamos saber mais uns dos outros, das histórias, dos fatos, da luta, da arte.

Voltamos pro último bloco da oficina. A proposta era que eles, amparados por todos os elementos trabalhado naqueles dois dias, criassem uma cena de uma história real que os mobilizasse de alguma maneira. Eles tiveram uma hora pra elaborar a cena, assistimos uma primeira vez pra orientar sobre alguns pontos, demos mais um tempinho e fizemos a apresentação final.

Eles contaram a história da Marielle Franco usando o trabalho de coro, as músicas, a criação de personagens e objetos no espaço, o olhar para o público.

Emocionados e arrepiados, sentamos em uma roda pra conversar sobre a jornada da oficina.
Os ouvimos dizer que ficaram felizes com a experiência porque às vezes pensam que não têm recursos pra criar suas intervenções e viram que isso pode ser feito de forma potente usando apenas o próprio corpo. Falaram que tomaram consciência das suas potencialidades e como isso foi importante pra elevar a autoestima do grupo.

Nós falamos mais uma vez sobre como estávamos impressionados com tamanha potência. Sobre como, para nós, aqueles momentos tinham sido de troca e aprendizados profundos. Eu falei pra eles que além das infinitas aulas de história, política, economia que eles tinham me dado naqueles dois dias, me deram também uma grande aula de teatro. Não era pra agradá-los, não. De fato aqueles jovens me fizeram relembrar o que é estar em cena com vida e com desejo. Falei pra eles que saía dali uma outra atriz.

O papo tava bom, mas precisávamos nos trocar e arrumar tudo para a apresentação do espetáculo. Enquanto fazíamos isso, os jovens foram dar uma volta pelo assentamento, reforçar o convite pras pessoas do entorno.

A apresentação foi deliciosa. Estávamos muito conectados com eles. Vivemos um grande jogo, brincávamos, ríamos, fazíamos piadas sobre o que tínhamos vivido ali naqueles dias.

No final, como de costume, abrimos o “Papo de Picadeiro”.
Os primeiros depoimentos foram sobre a importância de estarmos ali para que as pessoas dos assentamentos tivessem mais acesso ao tipo de cultura que estávamos levando, sobre a relação disso tudo com a luta.

Então, pede a palavra um senhor que estava sentado na pontinha do banco, bem à direita de nós. Tinha rido muito durante a apresentação. Em palavras e frases repetidas diversas vezes, disse que pra ele tinha sido muito importante ter um pouco de alegria, poder rir. Que a luta da vida é tão dura, que ele tem momentos de tanta tristeza, vícios, sofrimento que momentos como aquele lhe trazem alívio.

Aí, de repente lembrei que estávamos ali também pra fazer palhaçaria. Pra mim, naqueles dias, fazer o  espetáculo estava sendo uma boa e divertida desculpa pra estar junto dessas pessoas. Mas naquele momento lembrei que o palhaço, nesses lugares, além de amparar a luta, também dá espaço pra gente  respirar. Que o riso promove essa  espécie de ganho de fôlego pra continuar a jornada.

Aquele senhor, em sua fala, deve ter repetido a palavra “alegria” umas trinta vezes. E no meio daquelas palavras repetidas, falou que queria ficar aplaudindo e aplaudindo e aplaudindo “até fazer calos nas mãos”.

Falou muito até alguém tomar a palavra dando sequência ao bate papo.
Mas, nesse momento, nós Cromossomos já não tínhamos muitas palavras. O que mais dizer diante daquele instante e depois de todos os outros tão tocantes?

Só finalizamos o encontro, rindo muito e cantando nossa canção de despedida.

Em tempos de ódio e tanta injustiça, a alergia e o afeto são, de fato, uma verdadeira revolução.

Por Tejas, palhaça Carmen Serafina.

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