Assentamento Rodeio

18 e 19 de abril de 2018
Município de Presidente Bernardes

Mais uma vez, os palhaços desorientados estão à procura do local da apresentação. A história se repete e se renova. Desta vez, estávamos nós no km 24 da estrada Olimpo Ferreira parados em frente à entrada do assentamento Rodeio, sem sinal de celular para nos comunicarmos com a família que iria nos receber.

Passa uma ambulância indo em direção ao assentamento e numa confusão de opiniões entre segui-la ou não (ah! os processos coletivos!), decidimos segui-la e nos perdemos (claro!). Paramos num lote, perguntamos aos vizinhos e logo encontramos: a segunda casa à esquerda depois da igrejinha era a do Cido. Entre muitos abraços e sorrisos de boas vindas e um almoço delicioso - tudo diretamente da sua plantação -, fomos nos conhecendo. Logo chega seu filho, Nathan, e mais tarde sua companheira Marisa. A acolhida é muito calorosa e cheia de bom humor. Cido é um grande piadista e não deixa passar uma oportunidade de fazer a todos cair na gargalhada.

Na mesa, mandioca cozida, galinha caipira do quintal, arroz, feijão, salada, farinha e uma pimentinha que ele mesmo prepara. Nos deliciamos! Como come-se bem nos assentamentos!!

Cido nos leva para um passeio pelo sítio, nos mostra sua plantação e nos fala de agroecologia. Pega um punhado de terra na mão e nos convida a sentir seu cheiro, de terra limpa, viva. Pura poesia esse momento. No assentamento há uma agrovila e uma associação de produtores em que reúnem seus diversos produtos para troca interna e comercialização externa. Comenta sobre a necessidade e a dificuldade burocrática de conseguir o certificado de produtor orgânico - um selo exigido hoje em dia para que se possa vender estes alimentos no mercado.

Com muita propriedade, nos explica o processo de cultivo da terra apenas com matéria orgânica, sem nenhum agrotóxico, nem fertilizantes químicos - nenhum veneno. Berinjela, mandioca, pequi, jiló, feijão guandú, bucha natural, almeirão, alface, limão rosa, abacate manteiga, cajá manga, graviola, banana, jaca, carambola e muito mais! E nós, urbanos que somos, ficamos encantados com as riquezas da terra. A  dignidade e o orgulho com que este homem fala de seu trabalho é de encher a alma.

Deixamos a casa e, enquanto nos embrenhamos por caminhos de terra vermelha para chegar ao distrito rural de Nova Pátria para a primeira apresentação, seguimos Nathan em sua moto e vamos comendo poeira, cantando e conversando no carro sobre lembranças do Saara, do Rio Doce e discutimos o que conecta as lutas dos povos e locais pelos quais passamos com o Cromossomos. A luta pelo território, pelo direito à terra, à moradia, à subsistência, à coletividade, à partilha, em suma, o direito de viver a vida com dignidade.

Fizemos uma apresentação numa escola em que a maioria da plateia era de adolescentes. Estamos num processo de adaptação e entendimento sobre como nos relacionar com o público daqui, pois ainda que não riam muito - nos parece que é por acanhamento - notamos em seus olhares o quanto estão se divertindo conosco. Ao final, fizemos o papo de picadeiro e nessa roda de conversa os convidamos a contar um pouco de suas vidas nos assentamentos - sendo que nem todos ali são assentados. Para alguns deles, era a primeira vez que viam uma peça.

Nessas conversas sempre surgem falas sobre a importância de ter “acesso à cultura”. Nosso diálogo segue num esforço de dizer-lhes que a cultura não é prerrogativa da arte, que cultura são os modos de viver de cada povo e que nós ali não vamos para “levar cultura”, mas que isso, vamos para trocar, para aprender com a cultura deles, a cultura da terra, tão rica, que nos alimenta o corpo, a alma e o nosso fazer artístico. A gente não vem trazer, a gente vem buscar, aprender, se formar. E que se escolhemos vir de tão longe para estar com eles é por valorizar a luta dos agricultores, por somar forças ao movimento, pois acreditamos que a luta deles é em benefício da sociedade como um todo. Ainda mais no momento histórico que estamos vivendo.

Falamos da importância do chapéu para os artistas de rua e que ali nosso chapéu foi pago com verba pública. Isto é, com o dinheiro dos impostos deles e nossos. E que se temos a oportunidade de estar ali, sendo pagos para realizar esse trabalho, é porque o acesso à arte não deveria ser um privilégio, antes disso, é um direito dos cidadãos, está na constituição.

De volta a casa, todos reunidos na varanda, Cido nos conta a história de luta do assentamento Rodeio, que existe há 20 anos e reúne 65 famílias. Nos explica a diferença entre a ocupação de terras particulares e terras devolutas (do governo federal, muitas vezes griladas por grandes fazendeiros). A vida sem patrão, sem escravizar-se pelo capital. É bonito ver sua clareza quanto à importância da militância pela agricultura familiar, da articulação dos produtores rurais, da associação entre eles e da organização comunal da produção. [Logo mais compartilharemos um vídeo com o depoimento do Cido].

A noite cai e sob o céu estrelado juntamos nossa bandinha do Chaves, fazendo um forrozim, cada um de nós provando tocar outros instrumentos que não os nossos de costume. Com destaque para o porco Federico da Aline.

Para encerrar a jornada deste dia, fazemos a ritual partilha em que cada um fala sobre o trabalho, sobre como está se sentindo, críticas e sugestões para melhorar o espetáculo e nossa relação.

No dia seguinte, a apresentação seria na escola infantil Paulo Freire que fica dentro do assentamento Rodeio e está sendo ameaçada de fechar por sucateamento. Então foi bem importante apresentar ali como forma de apoio à resistência das escolas do campo.

Fizemos um cortejo de carro pelas casas, cantando e tocando, com o megafone a convidar os vizinhos para o espetáculo. Como os lotes são distantes, é um pouco difícil trazer as pessoas. No trajeto, cruzamos com umas senhorinhas e, alguns minutos depois, elas chegam num fusquinha enquanto nos preparamos para entrar em cena, do lado de fora de escola. Depois viemos a saber que elas não perdem nenhuma atividade que acontece no assentamento!

Ao final da apresentação e do papo de picadeiro, fomos presenteados com uma garrafa de licor de jabuticaba, delicioso produto local.

Nos despedimos da família, Cido, Marisa e Nathan, em tão pouco tempo já tão queridos. E finalizamos nossa passagem pelo assentamento de Rodeio cantando nossa canção de despedida. E uma vez mais, pé na estrada! Que novos encontros nos esperam!

Vou caminhar que o mundo gira…
Vou caminhar que o mundo gira…

Júlia Barnabé, palhaça Abigail

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